Sexta-feira,
28 de Julho
“Gosto de inventar sonhos, daqueles em que posso mexer, voltar atrás e continuar no dia seguinte. Com ou sem vento, porque há tempestades que fazem falta”.
Último dia de baixa. Na próxima semana reentro ao trabalho. Preciso tanto de estar com os meus amigos e colegas! Já me disseram que vou ter um horário mais reduzido. Tenho pena de não estar a 100%, mas é óptimo que me queiram lá, mesmo que mais lenta. Têm sido incríveis comigo. Um pouco por todo o lado, surgem-me amigos que não via há algum tempo. Temos todos um ritmo desenfreado, devido às nossas profissões, vida familiar e pessoal agitada, e quando nos apercebemos já passou um ano ou mais desde que estivemos com muitas pessoas de quem gostamos. Uma das capacidades mais bonitas do ser humano é que, por mais trabalho que haja, arranja-se sempre um tempinho extra quando um amigo está em apuros.
A minha amiga Aninhas, por exemplo, tem uma vida muito preenchida que nem lhe permite ir ao ginásio. No entanto, quando fui operada, precisei de levar injecções na barriga durante um mês e foi sempre ela que cá veio a casa diariamente. Além disso, fez-me todos os dias o penso ao umbigo, que teimava em não sarar. Só sarou ao fim de seis semanas, altura em que chegou o resultado da biópsia. Quando somos operados, tem que se esperar pelo menos 4 semanas até começar a quimio, mas eu nem poderia ter começado antes de o umbigo sarar.
No dia do 1º tratamento, a minha médica passou pelo hospital de dia e disse-me que também vou fazer rádioterapia. Chegaram à conclusão que tudo começou no colo do útero, se bem que com um padrão diferente do habitual. Se tivesse começado nos ovários, faria apenas quimioterapia. Venha a fera, se tem que ser. Decidi que vou chamar aos tratamentos o dia do bichinho faz-de-conta. Vou fazer de conta que ele não existe tal como planeou. Que em cada tratamento vou matá-lo um pouquinho, até desaparecer por completo.
Ao final do dia fui com a Aninhas – andei com ela ao colo quando nasceu, por isso para mim será sempre assim que a tratarei – cortar o cabelo na cabeleireira dela. Achei preferível ir a um sítio onde não me conhecessem. Não me importo de falar sobre o assunto, mas hoje não tinha vontade. Levei um lenço, mas acabei por não o usar. Disseram que o corte me ficava bem – foi ‘pente 4’ – e assumi-me assim, à Joãozinho, como posteriormente me chamou a Lisa, a minha emmicas.
Tenho sorte com as tendências da moda deste ano. Usam-se imensos lenços à pirata e bonés. Decidi que não vou usar cabeleira, não tem muito a ver comigo. Posso vir a mudar de ideias, mas optei pelos lenços. Já tenho um motivo válido para ir às compras. Que mulher não gosta de ir às compras?