Segunda-feira, 4 de Setembro de 2006

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Os medicamentos naturais e homeopáticos podem fazer maravilhas em muitas circunstâncias, mas nunca devemos tomar nada sem avisarmos antes o nosso médico, pois há produtos que interferem de uma forma errada. Fiquei a saber, por exemplo, que não se deve tomar medicamentos que contenham barbatana de tubarão ou pau d’arco, pois alteram os valores das análises.
publicado por carla às 02:02
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“Se eu não fizer barulho, levas-me contigo no intervalo dos teus medos?”
 
Os amigos por vezes receiam fazer perguntas. Não sabem como abordar a questão. Penso que têm medo de dizer algo que não devem. Isso acontece-me constantemente quando quero acarinhar alguém que está em baixo. Parece que as palavras nascem enferrujadas nessas alturas. E depois pensamos – e com razão – que devemos dar ao outro o seu espaço, que não lhe faz bem falar continuamente sobre o assunto. Mas o que fazer quando o outro precisa de falar sobre isso? Desviar a conversa é mais fruto do nosso medo do que da vontade de pôr o outro a pensar em coisas diferentes. Como em tudo na vida, é difícil encontrar um equilíbrio. Mas encontra-se, basta perder o medo de falar sobre a dor.
publicado por carla às 02:02
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Há muitos tipos de tratamentos de quimioterapia. Por isso é que há pessoas a quem não cai o cabelo, a quem cai antes do segundo tratamento e a quem cai muito mais tarde. Eu tenho um cabelo fortíssimo e caiu antes da segunda sessão, conforme previsto. Depois há uma coisa chamada organismo e que é muito personalizada, como todos sabemos. Há quem faça quimio paliativa e viva durante muitos anos. Há casos que parecem desesperantes mas que acabam surpreender a própria medicina pela reviravolta que dão.
 
Eu sei que vou morrer um dia. Não aceito bem a morte, a dor que de quem cá fica a olhar para o céu e a tentar encontrar uma nova estrelinha. Mas aqui surge o poder da palavra acreditar. No dia em que acabam os sonhos, qualquer bichinho de faz-de-conta pode apoderar-se de nós.
publicado por carla às 02:01
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Pesquisar na Internet é um erro. Decidi que não o faria, depois de ver a Lurdes tão em baixo. Lemos imenso sobre estatísticas ao fim de cinco anos e só podemos ficar depressivos. Cada caso é um caso. Eu caí no erro, quando o resultado da biópsia confirmou a neoplasia, de ir fazer umas pesquisas. Acho que entrei num estado catatónico. Foi muito mau e nunca mais o faço.
 
Tenho a mania – irritante, para alguns – de procurar um lado menos mau (na morte não há um lado bom para quem fica; falo dos que amam, claro). Quando dei por mim a pensar que se calhar já não vou viver pelo menos mais uns 20 ou 30 anos, só consegui pensar numa coisa boa: que iria para perto de todos aqueles que amei e que partiram antes de mim. Pessoas e animais. A minha Maria Papoila, que foi a última a passar para ‘o andar de cima’, deixou-me uma ferida aberta na alma. Tranquilizou-me imaginar um reencontro e quase que senti de verdade o afago que lhe dei em pensamento. Tenho tantas saudades dela! E os meus avós queridos, o meu amigo Vítor... tantos vizinhos... sabe bem pensar que tenho muitas novidades para contar do outro lado da ponte do arco-íris quando um dia for a minha vez de a atravessar. Mas não há-de ser já.
publicado por carla às 02:00
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2º tratamento

Segunda-feira,
14 de Agosto de 2006
 
No convés da madrugada procuro uma rocha, um mastro, um farol discípulo dos crepúsculos. Sei – tenho a certeza – que terei algo a que me agarrar quando esta alma barroca mergulhar no escuro pela milésima vez”.
 
Hoje tive o segundo tratamento. Estava marcado para o meio-dia e começou pouco depois. As análises que fiz na sexta – temos sempre que fazer análises antes para se ver se os valores estão suficientemente bons para prosseguir com a sessão estipulada – estavam boas. Os valores da hemoglobina baixaram um pouco mas, em contrapartida, os valores tumorais também diminuíram. Fiquei contente.
 
Ao fim de três horas de vários saquinhos de produtos, chegou a vez do maior de todos. Tem meio litro e é administrado ao longo de três horas. Ainda não tinham passado cinco minutos e senti imenso calor no estômago. Senti-me incomodada e ajeitei-me. De repente começaram umas dores tão fortes nos rins que parecia que tinha dois corações a pulsar em cada um. Pedi ajuda às enfermeiras, que vieram de imediato ver o que se passava. A minha médica também apareceu e agarrou-me na mão para me tranquilizar enquanto a dor não desaparecia. O carinho que emana do tacto é muito importante. O ginecologista a quem pedi uma segunda opinião – bendita a hora, senão ainda hoje pensaria que não tinha nada de mal, que se tratavam apenas de uns miomas que seriam retirados numa cirurgia de rotina – e o fantástico médico que me operou também faziam o mesmo quando estavam comigo. Faziam-me uma festinha no braço ou no cabelo. Sentimo-nos queridos e sabe bem.
 
Não tenho implante no peito, por isso levo uma pica em cada tratamento. Temos que avisar sempre que doer, pois o líquido pode estar a extravazar. As enfermeiras dizem que há quem não se queixe por recear ser puncionado de novo, mas devemos sempre informar sobre qualquer incómodo ou dor que estejamos a sentir.
 
Administraram-me duas injecções de um produto, através do cateter que tinha na mão. Fiquei cerca de uma hora a soro e depois retomaram o tratamento, que correu bem. O produto que estava nas injecções era forte, estive a dormitar durante cerca de duas horas e acabei por ficar um pouco azamboada o resto do dia. A mão inchou-me um pouco. É normal. Tudo isto é normal. E já só faltam 8 sessões.
 
Quando passei pelo período de dores, na semana do primeiro tratamento, decidi que tinha que fazer uma opção consciente e gerir e digerir tudo isto com base nessa decisão. Tinha duas escolhas: pensar que ainda faltavam 9 sessões ou que já faltavam 9 sessões. Optei pela última.
 
A minha amiga Teresa, que me convenceu a escrever estes relatos, diz que gosta de acreditar que o nosso sofrimento acaba por resgatar a dor de alguém, num outro ponto qualquer do mundo. É uma ideia que me conforta.
 
Vamos lá enfrentar a fera, que hoje deve ter morrido um pouquinho mais. Adoro animais, mas não destes que se infiltram dentro de nós, proliferando-se por onde não devem.
 
Já não tenho cabelo. Ao fim de duas semanas começou a cair e passei a usar lenço. Quando já só tinha uma penugem, o meu cunhado Luís aplicou-me uma dose certeira de máquina zero. Acabaram-se os cabelinhos a fazer comichão no pescoço e a proliferarem como ervas daninhas nas minhas almofadas. Na primeira semana de trabalho ainda fui sem lenço. Soube tão bem voltar! No meio destes momentos menos bons, tenho tantos que compensam que cada vez estou mais convicta que superam qualquer bicho de faz-de-conta.
 
Nunca pensei viver na pele uma história de cancro. Ser uma doente oncológica e de repente ter que lidar com juntas médicas, análises, ressonâncias magnéticas ou TAC, quimio e rádio. Mas se isto não tivesse acontecido, também não conheceria mais de perto as pessoas que estão nesta situação. Quando nos despedimos umas das outras, não dizemos ‘até à próxima’ ou ‘gostei de te ver’. Não faz muito sentido. É quase sistemático ouvir ‘as melhoras de todos’. E ficamos felizes. Eu fico.
 
Por mais que tentemos colocar-nos no lugar dos outros, o certo é que nunca conseguimos fazê-lo verdadeiramente se não passarmos pelo mesmo. Podemos imaginar, mas ficamos aquém. Digo isto porque uma amiga de infância contou-me em Abril que tinha um carcinóide nos intestinos e que já havia metástases no fígado. Fiquei de lágrimas nos olhos. Ela tem a minha idade e eu não me sentia preparada para a perder num prazo de cinco anos, como ela vaticinou. Felizmente, soube-se depois, já após as cirurgias a que foi submetida, que o fígado estava bem. E eu, que naquele dia de Abril lhe disse que o importante é viver cada dia como se fosse o último – sempre pensei assim, que podíamos ir na rua e sermos atropelados no dia seguinte -, eu que disse tudo isso... quando afinal me tocou a mim senti-me triste, desamparada e com uma certa raiva. ‘Que fiz eu para merecer isto?’. Acho que esta é a pergunta que cada um de nós se coloca quando algo de mau nos acontece.
publicado por carla às 01:57
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Sexta-feira,
28 de Julho
 
Gosto de inventar sonhos, daqueles em que posso mexer, voltar atrás e continuar no dia seguinte. Com ou sem vento, porque há tempestades que fazem falta”.
 
Último dia de baixa. Na próxima semana reentro ao trabalho. Preciso tanto de estar com os meus amigos e colegas! Já me disseram que vou ter um horário mais reduzido. Tenho pena de não estar a 100%, mas é óptimo que me queiram lá, mesmo que mais lenta. Têm sido incríveis comigo. Um pouco por todo o lado, surgem-me amigos que não via há algum tempo. Temos todos um ritmo desenfreado, devido às nossas profissões, vida familiar e pessoal agitada, e quando nos apercebemos já passou um ano ou mais desde que estivemos com muitas pessoas de quem gostamos. Uma das capacidades mais bonitas do ser humano é que, por mais trabalho que haja, arranja-se sempre um tempinho extra quando um amigo está em apuros.
 
A minha amiga Aninhas, por exemplo, tem uma vida muito preenchida que nem lhe permite ir ao ginásio. No entanto, quando fui operada, precisei de levar injecções na barriga durante um mês e foi sempre ela que cá veio a casa diariamente. Além disso, fez-me todos os dias o penso ao umbigo, que teimava em não sarar. Só sarou ao fim de seis semanas, altura em que chegou o resultado da biópsia. Quando somos operados, tem que se esperar pelo menos 4 semanas até começar a quimio, mas eu nem poderia ter começado antes de o umbigo sarar.
 
No dia do 1º tratamento, a minha médica passou pelo hospital de dia e disse-me que também vou fazer rádioterapia. Chegaram à conclusão que tudo começou no colo do útero, se bem que com um padrão diferente do habitual. Se tivesse começado nos ovários, faria apenas quimioterapia. Venha a fera, se tem que ser. Decidi que vou chamar aos tratamentos o dia do bichinho faz-de-conta. Vou fazer de conta que ele não existe tal como planeou. Que em cada tratamento vou matá-lo um pouquinho, até desaparecer por completo.
 
Ao final do dia fui com a Aninhas – andei com ela ao colo quando nasceu, por isso para mim será sempre assim que a tratarei – cortar o cabelo na cabeleireira dela. Achei preferível ir a um sítio onde não me conhecessem. Não me importo de falar sobre o assunto, mas hoje não tinha vontade. Levei um lenço, mas acabei por não o usar. Disseram que o corte me ficava bem – foi ‘pente 4’ – e assumi-me assim, à Joãozinho, como posteriormente me chamou a Lisa, a minha emmicas.
 
Tenho sorte com as tendências da moda deste ano. Usam-se imensos lenços à pirata e bonés. Decidi que não vou usar cabeleira, não tem muito a ver comigo. Posso vir a mudar de ideias, mas optei pelos lenços. Já tenho um motivo válido para ir às compras. Que mulher não gosta de ir às compras?
publicado por carla às 01:57
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Quarta e quinta-feira,
26 e 27 de Julho de 2006
 
‘Tenho dias cinzentos, como a filha de uma manhã emboscada nas nuvens. Tenho dias de sal grosso no peito, sobre uma cicatriz de espuma e raiva. Tenho dias de tristeza absoluta em que vejo as horas que se precipitam, entalando-me numa noite que não me traz sono. Tenho momentos em que podem vir orquídeas, mimosas ou crisântemos, mas nada me agarra aos sonhos e à água. Tanta coisa para dizer que hoje estou murcha e que quero estar só, sem que o esteja’.
 
Começaram as dores. Chegaram devagarinho mas não foram mansas. Mesmo deitada, sossegadinha à espera que passassem, senti-as verdadeiramente na pele. Tive muitos puxões na zona pélvica, especialmente na cicatriz que ficou da operação. Quis pensar que eram células más a morrer. Temos que arranjar as nossas próprias historiazinhas para nos animarmos. O que me custou mais foi a dor nos tornozelos. Doíam-me as articulações todas, parecia que andava dentro de mim uma festa para a qual não convidei quem quer que fosse. Tenho que me habituar a estes intrusos de 3 em 3 semanas. São apenas 10 tratamentos, se tudo correr bem.
publicado por carla às 01:56
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Terça-feira,
25 de Julho de 2006
 
E se hoje a intrusão for mais invasiva e eu enjoar, quero que fiques com a melhor parte de mim: aquela que sangra e que transvaza a dor da matéria”.
 
Nada de relevante a apontar, a não ser o facto de parecer que andei na bebida. Tenho as faces muito vermelhas, bem como o peito. As minhas auréolas incharam, até parecem maminhas de mãe a amamentar.
publicado por carla às 01:55
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1º tratamento

Segunda-feira,
24 de Julho de 2006
 
“- Para que queres ver-me hoje, se choro?
- Para saber amar-te melhor.”
 
Contava com 6 horas de tratamento e foram 7. Acrescentando a consulta de enfermagem e mais uns pozinhos, estive 12 horas no hospital. Foi cansativo. As enfermeiras são muito doces. Quanto aos doentes, estamos todos ali para o mesmo, trocamos sorrisos e ficamos preocupados quando alguém se sente mal. É uma sub-família. Já sei que me vou cruzar muitas vezes com estes rostos. Sinto que estamos todos ali com a convicção de que vamos ficar bons.
 
O meu receio são os efeitos secundários. Vim para casa um pouco zonza e com perda de paladar. Nada me sabe ao que era costume. Alertaram-me para o facto de poderem existir episódios de dirreia ou obstipação, aftas e febre, mas variam de doente para doente. Cada tratamento tem a sua dosagem e especificidade. Chamam-lhe protocolo. Em relação ao meu (faço taxol e carbo), prepararam-me para dores nos ossos e nos músculos durante dois a três dias, a partir do segundo dia. Deram-me cinco comprimidos para começar a tomar hoje à noite, de 12 em 12 horas, e que se destinam a combater os vómitos. Guardei-os religiosamente.
 
Os tratamentos agora estão muito avançados e já há mais formas de combater os efeitos secundários. O primeiro saquinho da sessão, depois de puncionada e de levar soro para limpar as veias,  destina-se a ajudar a combater os efeitos indesejados. Trata-se da pré-medicação. Depois vem o taxol. Em seguida, mais três saquinhos de pré-medicação antes de entrar o carbo. E sempre com o soro pelo meio. É uma aventura! A parte que mais nos agrada é quando a nossa máquina começa a apitar, sinal de que aquela dose terminou e que podemos passar à seguinte. Sucessivamente, até à hora de irmos embora. E depois? Como vou sentir-me esta semana? Confesso que estou um pouquinho receosa com o que virá por aí nos próximos dias.
 
Avisaram-me que o cabelo cairia antes do segundo tratamento e que deveria cortá-lo curtinho para não me fazer tanta impressão quando o processo de queda tiver início. Depois há-de cair o pelo todo. Não estava preparada para ficar sem sobrancelhas e pestanas. Cada novo dia traz-me uma surpresa.
publicado por carla às 01:52
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